Consequências ocultas da ADPF 442: aborto até o nono mês, eutanásia, morte aos inválidos e aos inimigos do regime
Estão querendo que você pense que a ADPF 442 pretende “apenas” a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. Essa conversinha serve apenas para introduzir a sementinha demoníaca que germinará nos próximos anos, de forma muito mais distópica e brutal.
É óbvio que o aborto doloso ao terceiro mês já é algo inaceitável. A questão é que, por enquanto, ninguém se arriscaria a pedir a liberação do assassinato até as vésperas do parto. É claro que, no fundo, é isso que eles querem, mas a chance de insucesso seria enorme.
Comer pelas beiradas é mais eficiente e não queima a língua. A ADPF 442 é só a colherada na beira do mingau do capiroto, e o objetivo é chegar no fundo do prato. E, no fundo do prato, não estão apenas os bebezinhos de doze semanas. Há bebês de nove meses, crianças, adolescentes, adultos e até velhos.
Sim, essa matança pode chegar em você que está aí lendo este texto agora. Pois é. Em você mesmo. Permita-me mostrar o cavalo de Troia inserido na ADPF, pelo qual você provavelmente passou batido. Vamos lá.
Quem assinou a petição inicial da ADPF 442 foram as advogadas Luciana Boiteux, Luciana Genro, Gabriela Rondon e Sinara Gumieri. Entretanto, o argumento principal trazido por elas tem a assinatura intelectual de ninguém menos que o militante de toga Luis Roberto Barroso, o “perdeu mané”.
Na teoria de Barroso, utilizada para embasar a sinistra ADPF, ele saca da cartola uma coisa chamada “conteúdo mínimo da ideia de dignidade humana”. Uma daquelas expressões de nome pomposo, que já deveria fazer com que o sujeito mais desavisado ligasse imediatamente o sinal de alerta de impostura intelectual.
O tal “conteúdo mínimo da dignidade”, segundo Barroso, seria formado por três componentes: 1) valor intrínseco; 2) autonomia; 3) valor comunitário. A mulher abortista teria a sua dignidade humana reconhecida nestes três elementos, mas o feto abortado não. Esta teoria está descrita detalhadamente em seu artigo chamado “Aqui, lá, e todo lugar: a dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso transnacional”, que pode ser facilmente encontrado na internet[i].
Logo no resumo do seu artigo, Barroso admite, sem meias palavras, que sua teoria realmente tem como objetivo dar suporte intelectual para fundamentar futuras decisões em casos como aborto, casamento gay e eutanásia:
“O artigo, por fim, analisa como essa abordagem elementar da dignidade humana pode contribuir para a estruturação do raciocínio jurídico e para a fundamentação das escolhas judiciais nos casos difíceis, tais como aborto, união homoafetiva e suicídio assistido”.[ii]
Vejamos, então, como é a teoria de Barroso quanto à “dignidade humana” e seus três componentes (valor intrínseco, autonomia e valor comunitário) – e o que é que está oculto por detrás desse lindo discurso.
O tal “valor intrínseco” seria o pertencimento à espécie humana. Barroso reconhece que ambos, mãe e feto, são humanos (ufa!), mas apresenta um argumento numérico para privilegiar a mãe em detrimento do feto. Ele diz que há apenas um argumento pró-vida, e dois argumentos pró-mãe abortista, e, por isso a mãe ganha! Não é um raciocínio magnífico?
“no que se refere à dignidade humana entendida como valor intrínseco, há apenas um direito fundamental favorecendo a posição antiaborto - o direito à vida - contraposto por dois direitos fundamentais favorecendo o direito de escolha da mulher - a integridade física e psíquica e a igualdade.”[iii]
Na gincana do mestre Barroso, como a mãe tem dois argumentos a favor (integridade e igualdade), ela ganha numericamente do pobre bebezinho, que tem apenas um pobre argumento, o direito à vida! Aqui, a quantidade ganha da qualidade, mas é tudo para garantir a democracia!
Isso porque nem entramos no mérito do tal “direito à igualdade”...Barroso diz que “como apenas as mulheres carregam o ônus integral da gravidez, o direito de interrompê-la coloca-as em uma posição equivalente ao dos homens”. Aqui, Barroso suplanta o direito fundamental à vida do feto com um argumento feminista militante, similar à triste reivindicação de deixar os pelos do sovaco, ou de deixar as calças sujas de menstruação, já que homens não sofrem com as regras mensais. Tudo em nome de tentar igualar as manas aos manos, não é justo?
Em relação ao “valor intrínseco”, a inicial da ADPF 442 ainda invoca o argumento levantado no julgamento dos fetos anencéfalos (ADPF 54): não basta ser humano, tem que ter nascido com “potência de sobrevida”. Naquele julgamento, o direito à vida previsto na Constituição Federal foi, digamos, “ressignificado” pelo STF para “direito à vida em potencial”. Os caras conseguiram relativizar o direito fundamental à vida, inserindo um elemento (“em potencial”) não previsto na Constituição. A cara nem treme.
O segundo elemento seria a “autonomia”: o “elemento ético da dignidade humana”, cuja noção central seria a autodeterminação. Segundo Barroso, “embora o valor intrínseco do feto tenha sido presumido no parágrafo anterior, pode ser mais difícil reconhecer sua autonomia, devido ao fato de ele não possuir nenhum grau de autoconsciência”.[iv] Perceba que, aqui, Barroso nega a dignidade dos seres humanos sem autoconsciência. Lembrei aqui dos idosos com Alzheimer, dos drogados em surto, dos acidentados em estado vegetativo...teriam eles dignidade humana, segundo a teoria de Barroso?
O terceiro elemento seria o “valor comunitário”, o que, segundo Barroso, seria “convencionalmente definido como a interferência social e estatal legítima na determinação dos limites da autonomia pessoal”. Em suma: para ele, é ilegítima a proibição estatal à “autonomia” da mãe abortista, tem que deixar rolar!
“O fato de importantes e respeitáveis grupos religiosos serem contrários ao aborto, com base nos seus dogmas e na sua fé, não supera a objeção de que esses são argumentos que não encontram espaço nos domínios da razão pública”[v]
O “valor comunitário”, portanto, será atributo daquilo que o STF decidir que pode sofrer interferência estatal legítima. Exemplos: o direito ao aborto não teria esse valor comunitário que justifique a interferência estatal, tem que deixar rolar! Já o feto pode sofrer limitações estatais na sua existência. Críticas ao STF também, ao que parece, têm um valor comunitário muito negativo e podem ser limitadas pela força estatal...
Portanto, segundo essa tese, o não nascido não tem a combinação dos três elementos acima e, portanto, sem dignidade humana, não pode ser considerado uma “pessoa constitucional”.
Isso significa que, se os não nascidos não têm dignidade para existir, A TESE SE ENCAIXA TANTO NA 12ª SEMANA COMO NO NONO MÊS DE GRAVIDEZ. Tanto faz. Aí está o cavalo de Tróia.
É evidente que o assassinato no nono mês só não foi pedido na ADPF porque isso seria radicalizar demais, e acabaria não tendo receptividade. A estratégia é a seguinte: reconhecer expressamente a falta de dignidade constitucional de quem ainda não nasceu, gerando uma jurisprudência inicial que abrirá as portas, em um futuro próximo, à propositura de uma nova demanda, mais grave.
Essa é a técnica de engenharia comportamental denominada “pé na porta”, citada por Pascal Bernardin em seu famoso livro Maquiavel Pedagogo:
“(...) o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso”[vi]
Também é esse o movimento da Janela de Overton para práticas de manipulação social: quando não é possível alcançar imediatamente os fins almejados, movimenta-se a janela ligeiramente para o lado, para abarcar uma hipótese ainda não permitida, mas que não está tão longe. Com o movimento da janela, a percepção social vai sendo anestesiada, e a janela vai se arrastando devagar, até alcançar o ponto desejado.
A ADPF 442 é o movimento da Janela de Overton para a esquerda, que não parará de se movimentar até atingir os fins não confessados. Perceba que a tese fala que, para haver dignidade constitucional, o humano nascido deve ter autonomia (autodeterminação). Assim, por essa tese, um inválido, entrevado em uma cama em estado vegetativo, não consegue se autodeterminar. Ao contrário: ele dá trabalho aos outros, não produz nada, precisa de alguém que lhe coloque comida na boca, dê-lhe banho e lhe limpe as partes.
Por essa teoria sinistra, esse inválido perdeu o status de pessoa constitucional e a dignidade para existir. Consequentemente, perdeu o direito à vida.
Assim, em vez de uma decisão que humildemente RECONHECE o direito natural à vida, proveniente de uma ordem divina, teremos uma decisão que CONCEDE o direito à vida.
Prosperando esta tese, você terá que CONQUISTAR seu direito à vida. Alguns terão mais direito à vida que outros. Quem estiver muito doente e inválido fica mais próximo de perder seu direito à vida por ordem estatal. Quem mandou perder a potência de sobrevida, a autonomia e ter valor comunitário preocupante?
Essas teses de uns seres humanos terem mais direito à vida do que outros – direito esse concedido pelo Estado, diga-se! – geraram as maiores atrocidades que aconteceram no século XX. Vocês sabem do que estou falando, certo? É EXATAMENTE este tipo de tese, saída da cabeça de um intelectual do regime, que justifica todos os horrores que passam a ser cometidos “em nome da democracia”. Essa será a hora da eutanásia, da morte aos inválidos e aos inimigos do regime.
“Com licença, senhor, o imperador não concorda com o que você anda dizendo dele por aí, e decidiu que, por isso, você tem valor comunitário digno de ser disciplinado. Deixe seu celular aqui neste saquinho ziploc, e acompanhe, por gentileza, aquele senhor de uniforme preto”.
A partir do momento em que esse direito à vida é relativizado e concedido pelo Estado, todos os outros direitos “inferiores” também passarão a sê-lo, em consequência. Abaixo da vida está a liberdade, a integridade física, a propriedade...por essa teoria, será que os velhos continuarão tendo direito à aposentadoria? Bem, se você já perdeu o direito à vida (o mais), pode esquecer seus bens (o menos).
As últimas palavras do artigo de L.R. Barroso soam como uma verdadeira confissão:
‘Todas as pessoas serão nobres. Ou melhor, como na lírica passagem de Les Miserables, "todo homem será rei". E mais à frente ainda, como o desejo e a ambição são ilimitados, os homens vão querer ser deuses.’
Essa história de querer ser Deus já “deu ruim” lá no início dos tempos. Um certo anjo decaído quis fazer exatamente isso, e cá estamos neste vale de lágrimas. Teorias como essa são verdadeiras ofertas no altar do “príncipe deste mundo”, que, certamente, gargalha de regozijo quando vê tamanho trabalho intelectual sendo feito com o mesmo intuito que o dele.
⚠️ Este é um trabalho independente, artesanal, feito com muito amor, estudo e dedicação 📚. Um texto como esse leva horas para ser elaborado ✍🏼. Se você considera esta atividade relevante, considere se tornar um apoiador (supporter💰), financiando meu trabalho, viabilizando publicações como essa e a continuidade deste canal. ❤️
[i] Barroso, Luis Roberto. Aqui, lá, e todo lugar: a dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso transnacional. Publicado na Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro: MPRJ, n. 50, out.com/dez. 2013.
[ii] Idem, página 95.
[iii] Idem, página 138.
[iv] Idem, página 138.
[v] Idem, página 139.
[vi] Bernardin, Pascal. Maquiavel Pedagogo – ou o ministério da reforma psicológica. Tradução de Alexandre Muller Ribeiro. 1ª edição. Ecclesiae e Vide Editorial. Campinas,SP. 2013, página 19.