Ludmila Lins Grilo
Politics • Culture • Law & Crime
A má-fé do Conanda no trato da agenda do aborto
December 19, 2024
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Há momentos na história em que o absurdo se apresenta com aparência de serenidade e virtude. A proposta de resolução do Conanda, prestes a ser votada na antevéspera de Natal, é uma dessas ocasiões. Sob o pretexto de proteger os direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, o Conselho prepara o terreno para uma política que não apenas afronta os princípios constitucionais brasileiros, mas ressoa com práticas de um passado sombrio, e que está longe de ser enterrado.

 

O texto aberrante foi revelado pela Gazeta do Povo após discussões conduzidas em sigilo (link aqui). Pois é, ninguém sabia que o Conanda estava aprontando mais essa às vésperas do Natal, quando todo mundo está pensando nas festas. Conduta típica de quem sabe que está fazendo algo errado e quer fazer tudo na moita, pra passar despercebido.

A resolução estabelece que toda gestação de menores de 14 anos seja tratada como fruto de estupro, independentemente das circunstâncias. Até aqui, nada a opor: essa é a interpretação jurídica vigente mesmo. O problema surge quando a resolução elimina qualquer limite temporal para a prática do aborto, autorizando a interrupção da gravidez independentemente do tempo gestacional ou peso fetal. Isso significa que bebês prestes a nascer podem ser eliminados sob o eufemismo de “interrupção voluntária da gestação”. Não há limite. Não há dignidade. Não há humanidade.

Como em qualquer distopia que se preze, o Conanda tenta legitimar sua proposta amparando-se em princípios como “proteção integral” e “direito à saúde”. Chega ao cúmulo de dizer, no artigo 6º, I, que o “aborto legal” será realizado “de forma humanizada e respeitosa”, como se pudesse existir alguma humanidade ou respeito no ato de se matar um bebê.

Mas a retórica da proteção se converte em destruição. A resolução desvirtua o conceito de “autonomia progressiva”, transformando crianças vulneráveis em responsáveis por decisões devastadoras – decidir sobre a vida de outro ser humano – sem o amparo de seus pais ou responsáveis. É uma inversão abominável do que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estipulam sobre o papel protetor da família.

A má-fé dessa manobra é explícita. A tentativa de votar uma resolução tão controversa no dia 23 de dezembro, quando a atenção da sociedade está voltada para as festividades de fim de ano, não é casual. Trata-se de um cálculo frio, um jogo político para evitar a mobilização de quem se oporia a uma agenda tão radical. Como se isso não bastasse, o texto ignora deliberadamente o artigo 7º do ECA, que assegura políticas sociais destinadas a garantir o nascimento e desenvolvimento sadio das crianças. O Conanda, órgão criado para proteger crianças, omite essa proteção essencial. A razão? Promover uma agenda ideológica que prioriza o aborto como solução.

 

Essa resolução, além de antiética, é flagrantemente inconstitucional. A Constituição Federal, no artigo 5º, assegura o direito inviolável à vida, e no artigo 227, impõe ao Estado, à sociedade e à família o dever de garantir à criança e ao adolescente o direito à vida, saúde, dignidade e convivência familiar. Ao permitir o aborto irrestrito, a proposta não apenas desafia esses princípios fundamentais, mas ameaça converter o Brasil em um laboratório para a normalização da morte de bebês. E nem entramos na evidente questão da inconstitucionalidade de uma resolução proveniente de um órgão que se acha em posição de tratar do direito à vida como legislador constitucional fosse.

A crueldade da proposta atinge níveis inimagináveis ao eliminar qualquer limite de idade gestacional. Técnicas como a assistolia fetal, mencionadas na prática médica como formas de aborto tardio, assemelham-se mais a métodos de tortura do que a procedimentos de saúde. Essa técnica, realizada após a 20ª semana de gestação, provoca a morte do bebê por injeção química, queimando-o de dentro para fora de forma lenta e dolorosa. Como não lembrar aqui dos horrores da Alemanha nazista, onde a desumanização sistemática levou à cremação de seres humanos em câmaras de gás? Se naquela época os réus alegaram “apenas seguir ordens”, o que dirão agora aqueles que defendem que crianças decidam sobre a morte de outros seres humanos?

É nesse contexto que se revela a verdadeira face dessa resolução: uma tentativa do governo brasileiro de pavimentar o caminho para o aborto irrestrito. O Conanda quer impor um modelo no qual crianças decidirão sobre a morte de outras crianças, utilizando a estrutura dos Conselhos Tutelares para facilitar o genocídio de vidas inocentes.

Essa resolução não pode ser analisada isoladamente. Ela é parte de uma estratégia global para desestabilizar os marcos éticos e jurídicos que protegem a vida. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde alterou a definição de aborto na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), permitindo que o termo abarque procedimentos em qualquer estágio da gravidez. Desde então, pressões internacionais têm incentivado países a adotarem legislações que autorizem o aborto até os nove meses. O Brasil, com sua forte resistência cultural à prática, é um alvo prioritário para essa agenda.

Diante de tudo isso, o Conanda não age apenas de forma irresponsável. Age como cúmplice de uma agenda que banaliza a vida e transforma o aborto em um direito absoluto, desconsiderando suas implicações morais, éticas e sociais, especialmente quando confere a uma criança a responsabilidade de uma decisão dessa magnitude sem a assistência dos pais.

Os brasileiros, firmados em princípios que valorizam a vida e a dignidade humana, não podem se calar. É preciso resistir, com todas as forças, contra essa resolução inconstitucional e perversa, que ameaça transformar o país em um palco para a tragédia silenciosa da morte institucionalizada.

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Por que houve operação da Polícia Federal contra Carlos Bolsonaro

Ontem, Jair Bolsonaro fez uma live que colocou mais de 400 mil pessoas assistindo ao vivo, o que coloca Lula em situação constrangedora, já que, por falta de público, resolveu não fazer mais lives.

Esse seria o grande assunto de hoje, claro, mas Moraes foi rápido em arrumar a cortina de fumaça, disparando um mandado de busca e apreensão assinado às pressas, entre meia-noite e 6 da manhã, segundo informou Eduardo Bolsonaro.

O que pode ser mais constrangedor (e ilegal) do que um ministro agindo politicamente para prejudicar inimigos?

Assim, o sucesso de Bolsonaro perante o público, apesar de todo esforço midiático e da máquina pública, ficaria abafado, mas o povo já entendeu como funciona o regime. Não tem mais bobo aqui.

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Erro no Locals

Pessoal, novamente o Locals falhou na transmissão da live de hoje. Peço desculpas. De qualquer forma, está disponível lá no YouTube. Estou pensando seriamente de deixar de transmitir por aqui, em razão da quantidade de falhas desta rede.

Erro no Locals

Olá, pessoal! Acabei de perceber que a live com Alexandre Kunz deu erro aqui no Locals, pra variar… de qualquer forma, vocês poderão assisti-la no YouTube! 🥲

Olá, pessoal! Ontem a live infelizmente não funcionou no Locals, enquanto que no YouTube tudo transcorreu normalmente. O Locals nem sempre funciona bem, espero que melhore pro futuro. Daqui pra frente, acaso a live não rode por aqui, corram lá pro TV Injustiça no YouTube, OK?

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CASO LOURENÇO MIGLIORINI - MORAES VIOLENTA A MAGISTRATURA QUE TANTO O PROTEGEU

Em mais um dia de trabalho normal na agradável Uberlândia/MG, o juiz da Vara de Execuções Penais da comarca, Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, pega seu paletó e vai dar expediente. É uma sexta-feira 13. Ao chegar, inúmeras tarefas o aguardam: audiências de justificação, visita ao presídio, relatórios do CNJ, atendimento a advogados, unificação de penas, concessão de benefícios, tais como “saidinhas”, remição de pena, livramento condicional, autorização de trabalho externo e... progressões de regime. Uberlândia comporta hoje cerca de três mil presos, e é improvável que o juiz conheça cada um deles pelo nome.

O “cara do relógio” foi condenado por tentar abolir o Estado Democrático de Direito, apesar de, provavelmente, não saber a diferença entre uma dinamite e um estalinho. Para o azar do Dr. Lourenço, Antônio Cláudio Alves Ferreira foi levado para um presídio em Uberlândia/MG. O sujeito recebeu pena de 17 anos de reclusão pelos atos do 8 de janeiro. Trata-se, aliás, de um dos raríssimos casos em que existe prova irrefutável – e mesmo assim, apenas pelo crime de dano ao patrimônio público. O que se tem contra Antônio é uma filmagem onde ele aparece derrubando um relógio histórico no Palácio do Planalto.

Como qualquer outro preso no Brasil, Antônio tem direito à progressão de regime. Isso foi, de fato, feito pelo Dr. Lourenço, provavelmente em meio a outros trocentos casos semelhantes, enquanto ele se dividia entre audiências de justificação, embargos auriculares de advogados e estagiários com dúvidas porque o assessor entrou de férias. No meio do caos, o escrivão adentra o gabinete perguntando o que fazer, porque a agente do balcão entrou em licença-maternidade e não tem ninguém para substituir. Após tomar meia dúzia de decisões – a dona Odete, do setor de mandados, não gostou de ser remanejada para o balcão, e disse que apresentará atestado – o Dr. Lourenço conseguiu um tempo de respiro, para analisar os infindáveis processos do dia. No meio deles, lá estava o do “cara do relógio”, aguardando um despacho.

O Dr. Lourenço regrediu de regime o Luiz, o Fernando, o Marcelo, o Jonatas, depois concedeu domiciliar à Adriana, à Rose, e até ao velho João, o pinguço, recalcitrante em violência doméstica, enfermo devido ao câncer de próstata. Logo em seguida, assinou as progressões de regime do Roberto, do Vanderlei, do Jorge Maluco e do Antônio. O assessor já havia deixado as decisões minutadas antes das férias. O Dr. Lourenço conferiu, estava tudo certo, assinou tudo e foi cumprir as outras tarefas do dia. Após tudo concluído, finalmente “sextou”, e o juiz pôde, enfim, ir curtir o seu final de semana.

Estava tudo indo bem quando, seis dias depois, uma bomba caiu no colo do Dr. Lourenço. A besta-fera do STF, Alexandre de Moraes, instaurou um inquérito contra ele. O motivo: ele não deveria ter soltado o seu Antônio naquela sexta-feira 13. Moraes alega, basicamente, dois motivos: 1) que o juiz teria violado a competência do STF, a quem caberia analisar eventuais progressões de regime; 2) que teria havido, de qualquer modo, erro na progressão, pois a decisão computou o cumprimento de 16% de pena quando deveria ser 25%.

A decisão não continha nada de especial, ao contrário: aparentava ser uma decisão-modelo, usada na Vara para todos os casos semelhantes de progressão para o semiaberto com uso de tornozeleira eletrônica, uma vez que a comarca não dispõe de albergue e o preso não pode ser prejudicado pela falta de infraestrutura estatal. Aliás, nesse caso, nem a tornozeleira foi imposta, porque, segundo o juiz, não havia tornozeleiras disponíveis, por isso manteve a obrigatoriedade de Antônio permanecer em sua residência em tempo integral. Antônio não está livre, leve e solto, portanto.

Ao que parece, o Dr. Lourenço não decidiu assim porque se tratava do “cara do relógio”. É muito provável que ele sequer tenha notado que o tal Antônio fosse alguém especial ou famoso. Era uma decisão-modelo, utilizada por ele em todos os casos de progressão para o semiaberto – e não há nenhum problema nisso.

Ademais, sobre a alegada “invasão de competência do STF”, é necessário registrar que o juiz tem em seu favor nada menos do que a SÚMULA 192 DO STJ“Compete ao juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual”.

No caso, tratava-se de um condenado proveniente de um tribunal federal, recolhido a um estabelecimento sujeito à administração estadual. Ou seja: é a aplicação perfeita da referida súmula do STJ.

Aliás, o art. 332 do CPC, aplicado de forma suplementar, prevê que, dentre as decisões judiciais, as súmulas do STF e do STJ são as primeiras em ordem de importância (art. 332, I do CPC).

Quanto à alegação de que o percentual de 16% foi errado, existe um remédio previsto em lei para quando não se concorda com uma decisão judicial: o recurso. Aliás, o STF já há muito enterrara o “crime de hermenêutica”, ao julgar o caso do juiz Alcides de Mendonça Lima, da comarca de Rio Grande/RS, no ano de 1897. A defesa do juiz foi feita por ninguém menos que Rui Barbosa.

Naquela época, o STF cumpriu dignamente seu papel e garantiu a independência funcional do juiz Mendonça Lima. Infelizmente, quase 130 anos depois, por meio de um ato figadal de um de seus membros, joga fora sua história e a dignidade da Justiça, ressuscitando a figura nefasta e inconstitucional do crime de hermenêutica.

No caso do Dr. Lourenço, temos, portanto, um juiz que exerceu normalmente a jurisdição, utilizou-se de uma decisão-padrão normal, sem qualquer elemento ideológico envolvido, e passou a sofrer um assédio moral violento. Ao que parece, Moraes não queria ser apontado como responsável pela soltura do “cara do relógio”, e então teve a brilhante ideia de se “limpar” usando o Dr. Lourenço, sem se importar a mínima com a vida e a honra deste (e muito menos com a da Justiça).

Já faz 6 anos que Moraes age dessa forma. A magistratura se calou e se escondeu quando ainda havia como evitar a delinquência judicial de Moraes em seus primórdios. Era claro que o monstro que a magistratura deixou crescer sem oposição, um dia, a devoraria de forma inclemente.

O TJMG já se apressou em se posicionar, preliminarmente, do lado do agressor. Aliás, não perdeu nem um segundo: abriu uma “investigação” contra o Dr. Lourenço e ainda soltou uma notinha infame: “na oportunidade, o TJMG reafirma o seu compromisso com a legalidade, os princípios do Estado Democrático de Direito e o irrestrito respeito às ordens judiciais emanadas dos tribunais superiores”. Ao ler tamanha sabujice, só me vêm à mente as palavras do prof. Olavo, quando dizia que negar ao homem fraco posições de poder é um ato de caridade. Não é papel de um Tribunal soltar notinhas rifando um de seus membros (que está certo, diga-se de passagem), apenas para que sua cúpula fique bem nas “altas rodas”. Isso é comportamento abjeto, indigno, desprezível.

Até a publicação deste texto, a AMAGIS (Associação dos Magistrados Mineiros) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) não deram um pio em defesa do colega e da violência praticada contra ele. É uma violência contra todos eles, na verdade. A rigor, a rigor, toda a magistratura está sob coação moral daqueles que destruíram a Justiça no Brasil, mas a tibieza e a fraqueza moral de alguns detentores de poder decisório impedem a necessária reação – que já deveria ter acontecido há muito tempo, e não foi por falta de aviso.

 

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A BESTIAL RETALIAÇÃO DE MORAES CONTRA A ESPANHA

O ministro Alexandre de Moraes, mais uma vez agindo com o fígado, interrompeu o processo de extradição e mandou soltar o búlgaro Vasil Vasilev, acusado de tráfico internacional de drogas, como forma de retaliação contra a Espanha por ter negado a extradição de Oswaldo Eustáquio.

Agora, além de entreveros com os EUA, o sujeito também resolveu caçar confusão com a Espanha a fim de satisfazer seus delírios persecutórios. Entenda o caso:

 
1. Vasil Vasilev é acusado de tráfico de drogas na Espanha. Ele teria transportado 52kg de cocaína em Barcelona. Fugiu para o Brasil e foi preso em 18 de fevereiro no Mato Grosso do Sul.

2. A Espanha, por sua vez, rejeitou novamente o pedido de extradição de Oswaldo Eustáquio feito pelo STF por meio do Itamaraty, porque os juízes da Audiência Nacional espanhola concluíram que a solicitação brasileira tinha “evidente conexão e motivação política”.

3. Em retaliação, Moraes mandou soltar o traficante internacional alegando "quebra do princípio da reciprocidade", além de ter exigido explicações diretamente à Embaixada da Espanha.

4. A negativa de extradição de Oswaldo Eustáquio se deu por uma decisão da Justiça, e não do governo espanhol, o que torna a exigência de explicações à embaixada algo completamente descabido.

5. Não cabe ao STF interpelar diretamente embaixadas, uma vez que protocolos diplomáticos devem ser feitos por meio do Ministério das Relações Exteriores. Tal comportamento deixa ainda mais evidente a figura autoritária de Moraes no exterior.

6. Ainda cabe recurso e, portanto, é cedo para se pensar em alguma reação internacional, o que também só poderia ser feito por meio de tratativas diplomáticas, e não do STF.

7. Não se pode falar em reciprocidade quando, de um lado, tem-se um traficante internacional, e de outro um jornalista tecendo críticas e opiniões. Não existe qualquer similitude, muito menos gravidade, entre as condutas.

8. Moraes violou a Convenção de Viena de 1988 (incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 154/91), pois a suspensão do pedido de extradição do traficante descumpre a Convenção da ONU sobre drogas, da qual o Brasil é signatário e por ela se obrigou a combater o narcotráfico internacional.

9. O Brasil está quebrando o próprio tratado com a Espanha. A extradição de Oswaldo foi negada com base no tratado bilateral de 1988, que tem força de lei. Esse tratado diz que cabe exclusivamente ao tribunal espanhol avaliar se há motivação política, e este já deixou claro seu posicionamento, no sentido de que sim, a motivação foi política, o que impede a extradição.

 
10. O caso de Oswaldo Eustáquio é evidentemente político, e jamais poderia ser colocado em paridade com crime de tráfico de drogas. A decisão espanhola cita perseguições, maus tratos, prisões, e apoio de parlamentares brasileiros denunciando a perseguição. O tribunal entendeu que havia risco real à liberdade e à integridade física dele no Brasil.

11. O próprio STF já negou extradições com base política. O STF já recusou extradição do turco Yakup Sagar, acusado de golpe, bem como do inglês Ronald Biggs, por prescrição. Também já houve negativa de pedidos da China por risco de pena de morte, uma vez que o Brasil não a admite. A recusa por motivos políticos é prática comum.

12. A reciprocidade não se aplica aqui. Moraes disse que houve “violação da reciprocidade”, mas esta não existe nesses dois casos. Ambos se baseiam em tratados específicos, não em favores entre governos, como se estivessem em uma conversa de bar: “eu te adianto e você me adianta”... dar uma “ajudinha” em vinganças alheias não é princípio de relações internacionais, mas sim, conduta de mafiosos.

13. Moraes ameaça o princípio da cooperação internacional. A diplomacia entre Estados exige confiança e respeito mútuo. Soltar um narcotraficante para “ensinar uma lição” a outro país sabota o princípio cooperacional (pro solicitudine) e prejudica o Brasil no cenário global.

14. Moraes ignora precedentes do próprio STF. No caso Henrique Pizzolato, condenado no mensalão, o STF esperou e respeitou a Justiça italiana, que demorou anos para decidir. Ele acabou sendo, ao final, realmente extraditado e cumpriu pena no Brasil. Ninguém, na época, pensou em retaliar soltando criminosos devido à demora.

15. Moraes age como chefe de Estado. De ofício, sozinho, Moraes está ameaçando regras de cooperação jurídica internacional, política externa e acordos multilaterais. Tudo sem aval do Executivo. Isso é um abuso de poder sem precedentes.

16. Não há nenhuma justificativa legal para sua decisão. Nem a Constituição, nem a lei de migração, nem tratados, nem convenções internacionais — nenhuma delas autoriza represálias judiciais. É arbítrio puro, travestido de decisão jurídica.

17. E o pior: tudo isso favoreceu o crime organizado. A vítima da vingança de Moraes foi a cooperação internacional no combate ao narcotráfico. Um traficante foi beneficiado para que o ego de um ministro fosse satisfeito.

Em resumo: a decisão de Moraes é inconstitucional, ilegal e moralmente indefensável. Atenta contra a soberania da Espanha, a credibilidade do Brasil nas relações internacionais e o bom senso jurídico. O STF não pode ser usado como instrumento de vingança pessoal, e é isso o que vem acontecendo há muitos anos.

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Entenda o que foi a audiência de Filipe Martins em Orlando – e saiba quais serão os próximos passos

Na última terça-feira, 9 de abril de 2025, Filipe Martins teve uma audiência em Orlando, nos Estados Unidos.

Como sabem, Alexandre de Moraes mandou prender Filipe, provavelmente em busca de uma delação premiada contra Jair Bolsonaro – delação essa que não ocorreu pois, ao contrário de Mauro Cid, Filipe permaneceu de bico fechado todo o tempo todo, dizendo que não havia o que delatar.

 
Nas palavras de Gilmar Mendes, na época da Lava-Jato, “isso se trata claramente de prática de tortura”. Hoje sabemos que Moraes já detinha a geolocalização de Filipe, e portanto sabia muito bem que ele jamais saíra do Brasil na virada de 2022 para 2023.

Aliás, Moraes poderia ter chamado algum passageiro do tal voo para Orlando para testemunhar sobre a presença (no caso, ausência) de Filipe – até mesmo Jair Bolsonaro, mas não o fez, certamente porque a resposta das testemunhas não o agradariam.

A audiência que aconteceu essa semana ainda não foi uma ação criminal, até porque não havia ainda o nome de alguém para acusar. A ideia era justamente descobrir esse nome – e, spoiler: isso já aconteceu.

O processo foi aberto para que a justiça americana obrigue as autoridades do CBP (Custom and Border Protection) a entregar as informações e documentos que vão levar à descoberta sobre a autoria da fraude.

Na audiência dessa semana, o que ocorreu foi algo parecido com o nosso “recebimento da inicial”, que é quando o juiz “aceita” o processo. Apenas isso. Não se entrou no mérito da causa. Agora, uma vez que o processo foi aceito, iniciar-se-á a fase de "Discovery" — e é aí que o jogo começa de verdade.

Discovery é a fase processual em que todo mundo tem que abrir o jogo. Aqui, as partes trocam informações, documentos e provas. Todo mundo tem que saber o que vai ser usado no julgamento.

Nessa fase, podem ser usados os seguintes instrumentos processuais:

1 – Interrogatórios (interrogatories) – as partes podem requerer, por escrito, que a outra responda a indagações sob juramento;

2 – Pedidos de produção de documentos (Requests for production) – são requisições feitas pelas partes para que a outra entregue documentos, que podem ser de qualquer natureza (e-mails, contratos, registros, etc);

3 – Depoimentos orais (depositions) – as testemunhas e as partes podem ser convocadas para prestar depoimento, sob juramento;

4 – Pedidos de admissão (requests for admission) – ocorre quando uma parte pede que a outra admita ou negue certos fatos, e tem o condão de agilizar o processo;

5 – Intimações (subpoenas) – ordens judiciais para que terceiros entreguem documentos ou prestem depoimentos.

No caso de Filipe, a defesa vai exigir todos os e-mails, relatórios, registros e também as comunicações com Brasília — até porque seria impensável que agentes americanos começassem a perseguir um brasileiro desconhecido deles sem que fosse a pedido de alguma autoridade brasileira.

O resultado dessa primeira audiência é: já se sabe o nome do provável agente americano que falsificou os registros. Essa informação será divulgada apenas quando a defesa entender que não há riscos.

Atenção ao detalhe: nos Estados Unidos, falsificação de registros em processo judicial federal é crime gravíssimo, com penas pesadas. Ou seja, não será surpresa nenhuma se esse agente resolver fazer um acordo de colaboração premiada (plea deal) para reduzir sua pena — entregando o verdadeiro mandante da operação.

E tem mais: há evidências claras de que o falsário é um brasileiro naturalizado americano. Antes que o nome do sujeito fosse conhecido, isso já era algo esperado, por causa do tipo de erro que ele cometeu ao falsificar o registro: o nome foi registrado como “Felipe” — com "e" —, exatamente como se escreve em português. Só que, em inglês, o nome equivalente é Phillip, sempre com "i".

Um americano nativo, que cresceu lendo e escrevendo "Phillip" a vida inteira, jamais escreveria Felipe, com “e”. Só mesmo um brasileiro incorreria em tal deslize. A digital da intervenção brasileira já estava impressa no próprio erro ortográfico.

 
Agora, a Homeland Security vai ter que abrir os arquivos. Se surgirem provas de que houve manipulação de informações, conluio com autoridades brasileiras, ou abuso de poder, o caso de Filipe vira um escândalo internacional.

E o melhor: nos Estados Unidos, juiz não pode simplesmente dar uma canetada escondendo provas ou inventando narrativa. Aqui, o devido processo legal ainda vale. E se houver fraude, os agentes responsáveis podem até ser processados criminalmente. Se for brasileiro naturalizado, corre o risco de perder também a cidadania.

A Dra. Ana Bárbara Schaffert, advogada de Filipe nos EUA, disse em entrevista à Oeste sem Filtro que ficou muito feliz com a primeira audiência, porque o governo dos EUA se mostrou colaborativo em obter as provas. É também do interesse dele desvendar a fraude que colocou em risco a sua segurança nacional.

Assim, teremos um processo em que as duas partes não estarão em polos opostos, mas ao contrário, andarão juntas, por um objetivo comum, o que significa que o processo tende a andar rápido.

Em suma: esse processo tem a finalidade de obter dados sobre a fraude (nome do agente fraudador, local e data da fraude). Só após, de posse dessas informações, poder-se-á iniciar o processo criminal, já com um acusado claramente especificado, que poderá oferecer uma colaboração premiada com o nome do mandante – e não se espantem se o endereço dele for a Praça dos Três Poderes.

 

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