O Ministro Dias Toffoli e o Diretor-Geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, têm algo em comum. Nesta semana, ambos pareceram personagens tirados de uma comédia deprimente. Num mundo onde o debate público se afoga em clichês e analogias insensatas, eles decidiram competir pela medalha de ouro na disputa pelo pódio da indigência intelectual. Como a estupidez do ser humano é um poço sem fundo (mesmo nas altas rodas), não é de se espantar que o ministro e o delegado conseguissem a proeza de classificar atos de violência física como violação da... liberdade de expressão.
Toffoli, ao tentar justificar os limites do livre discurso, citou o caso de um policial militar que jogou um homem de uma ponte, afirmando que não se poderia aceitar esse comportamento como forma de liberdade de expressão (?!) Pelo visto, o ministro acredita (ou finge acreditar) que algum dia alguém sustentou que arremesso de corpo humano seria uma forma válida de discurso. Na verdade, o mais provável é que nem ele acredite nisso. O que importa, para ele, é usar cada acontecimento pra tentar justificar censura de discursos na internet, ainda que o fato em discussão não tenha nada a ver com isso.
Andrei Rodrigues, por sua vez, resolveu pontificar sobre imunidade parlamentar com argumentos dignos de quem passou a manhã inteira preparando seu discurso lendo a orelha da biografia do Alexandre Frota. “Não existe imunidade absoluta”, disse ele, para justificar o indiciamento do deputado Marcel Van Hattem, que discursou na tribuna (e o humilhou de forma retumbante, diga-se). Como exemplo de “abuso inaceitável” da imunidade parlamentar, o filósofo Andrei usou um exemplo constrangedor, argumentando que, hipoteticamente, se um deputado anunciasse a venda de cocaína ou de crianças no plenário da Câmara não estaria acobertado pela imunidade parlamentar (?!) O sujeito não percebeu que o ato de anunciar que se está vendendo algo ilícito significa uma ação concreta, e não meras palavras (no caso específico do tráfico, incide diretamente no artigo 33 da Lei de Drogas, nas modalidades vender, oferecer ou expor à venda).
No caso, os crimes contra a honra são crimes de palavra, e por isso, estão todos acobertados pela imunidade parlamentar. Agressão física e tráfico não são crimes de palavra. Injúria é.
Palavras são acobertadas pela imunidade parlamentar. Quaisquer palavras. Repetindo: QUAISQUER palavras (anunciar venda de cocaína no plenário não é palavra, é ato próprio de tráfico). Isso é o que diz o texto constitucional. Aliás, a palavra “quaisquer” foi inserida apenas no ano de 2001, com a emenda constitucional n.º 35, justamente para que nenhum imbecil continuasse alegando que a imunidade parlamentar tem limitações. Pelo visto, nem desenhando é possível conter o chorume despejado pelos juristas do regime.
Dias Toffoli e Andrei Rodrigues compartilham, portanto, o talento de criar espantalhos argumentativos. Nenhuma pessoa séria defenderia que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar poderiam incluir atos de violência ou tráfico de drogas. Aliás, nem entre os não sérios eu vi tamanha imbecilidade. Só eles dois mesmo – pelo menos até agora.
É lamentável que personagens tão desprovidos de raciocínio lógico ocupem posições tão destacadas. A máquina burocrática brasileira transforma mediocridades em excelsos. O sistema não apenas os coloca lá; ele os consagra como autoridades morais e intelectuais.
Toffoli, ex-advogado do PT, sempre foi uma figura que alçou voo não pela genialidade, mas pela habilidade de se manter na correnteza certa. Ser um gênio nunca foi requisito para subir ao STF. Já Andrei Rodrigues parece um funcionário de escritório chinfrim que acidentalmente tropeçou no microfone da sala de imprensa e começou a falar. Como não tem raciocínio rápido, nem lógico, acabou pagando de Dilma Rousseff.
A ignorância deles é uma baita tragédia, claro, mas a normalização dessa incapacidade intelectual nesses cargos de poder é um desastre ainda pior. A sociedade, apática, está tão anestesiada por décadas de mediocridade institucional que Toffoli e Rodrigues já não causam espanto. São apenas mais dois atores ruins encenando uma peça repulsiva.
O Brasil não apenas tolera essa estupidez dos figurões da alta burocracia estatal — ele a sustenta com blindagem e altos salários.