O imperador do Brasil resolveu falar de comunismo. Assentai-vos, portanto, ignaros! Colocai-vos em vossos subalternos lugares. Ouvi e absorvei os maravilhosos ensinamentos do magnânimo.
Como todo sabichão especialista em tudologia – uma espécie de Felipe Neto de toga –, o soberano agora resolveu pontificar sobre o nefasto regime chinês, com ares professorais:
“É impressionante como o comunismo dá ibope. 99% das pessoas que falam nem sabem o que é comunismo. O 1% que sabe, sabe que não existe mais comunismo. ‘Ah, a China é comunista’. Eles são mais capitalistas que nós” (...) Você fala em comunismo, principalmente entre as pessoas mais velhas...porque você é contra não sei o quê, porque vão instalar o comunismo no Brasil (...) as pessoas passaram a acreditar”.
A declaração acima – indigna de qualquer aula da escolinha do Professor Girafales – foi dada por Alexandre de Moraes em um evento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, no dia 06/10/23.
Fingindo ter a Constituição de 1988 em alta conta, Moraes enalteceu os grandes feitos da nossa carta magna, aproveitando, claro para reclamar de “ataques à democracia”:
“É o ataque por dentro, tentando levar em conta as regras institucionais, usando o mecanismo das redes sociais. Isso não é sem padrão. Isso foi estudado. É muito mais complexo do que parece”.
Eu ouvi essa última declaração pensando em como, na verdade, ele parecia estar falando dele mesmo. Volte ao parágrafo anterior e o releia, substituindo a expressão “levar em conta” por “perverter”, e “das redes sociais” por “da máquina pública”.
Mas o que ficou exposta mesma, em praça pública, foi a ignorância do ministro quanto ao que é o comunismo. Perceba que eu coloquei o verbo no presente: é. O comunismo não foi. Ele é. Mas Moraes resolveu que ele próprio faz parte do 1% de eruditos que sabem (claro!) que o comunismo não existe mais. Isso só pode ser delírio de velhinhas que acampam na porta de quartel!
A análise padrão 5ª série feita pelo maioral poderia ter sido floreada com o clássico da simplificação estética: “o muro de Berlim já caiu, então não existe mais comunismo”! Felizmente ele não mandou essa pérola do ignorantismo docente, mas, convenhamos, seria perfeitamente cabível diante da profusão de platitudes lançadas ao relento.
O sujeito sequer conhece a pueril diferença entre política comunista e economia comunista. Esta última, atualmente, tem apresentado uma mera aparência de capitalismo feroz quando, na verdade, é inteiramente controlada pelo Estado (comunista, portanto), que aceitou esse disfarce porque precisa de uma coisa que só o capitalismo é capaz de produzir: dinheiro. Será que Moraes, o bonzão, nunca ouviu falar da “mão invisível” do Estado?
Moraes, em sua adolescência nos anos 80, deve ter ouvido muito o clássico “Revoluções por Minuto” da banda RPM, e ficou com aquele trecho “agora a China bebe Coca-Cola” na cabeça. Claro, se estão bebendo Coca-Cola é porque lá, agora, o capitalismo é selvagem!
Não sei se o careca conhece o PCC. Mas, calma! Estou falando do PCC, o Partido Comunista Chinês, e não de outro PCC que talvez tenha vindo à cabeça de vocês. Cuidado com as associações que vocês fazem, criançada! A China é governada pelo mesmíssimo partido político, o PCC, há mais de setenta anos. Claro, deve ser porque o partido deve ser muito bom, as pessoas devem gostar muito! Tudo muito democrático. Afinal de contas, na cartilha do bedel Moraes, o comunismo já acabou, isso é conversa de velhinhas-intervenção-militar.
Na constituição da República Popular da China (olhe, se tem popular no nome, então deve ser muito democrática mesmo!) há a previsão de liberdade de imprensa, mas até as pedras sabem o que faz o Departamento de Propaganda do Partido Comunista. O órgão censor estabelece os tópicos a serem abordados (e a forma de abordagem, claro) para que a China Global Television Network (CGTN) e Rádio Internacional da China (RCI) façam a propagand...ops...a divulgação das maravilhas do regime chinês.
No fantástico sistema capitalista chinês, o Estado controla quase todas as grandes empresas, o sistema bancário, as terras, o preço do yuan. As empresas privadas devem permitir inspeções de comitês do partidão interferindo na tomada de decisões.
A internet na China é limitada por um firewall gigantesco, que bloqueia sites e determinadas palavras-chave. Tente pesquisar sobre “censura” e “Tiananmen Square” (a Praça da Paz Celestial) da China, e verá que não aparecerão resultados, pois lá não existem essas coisas subversivas.
Naquele país superdemocrático são proibidos YouTube, X (Twitter), Google, Facebook, Wikipedia, entre outros. Todas as transmissões ao vivo são monitoradas pelo Partidão, para que nada saia do controle. Não há qualquer possibilidade de manifestação contra o PCC, pois isso é rigorosamente proibido. Onde já se viu fazer declarações políticas negativas contra o controlador supremo? Na China capitalista liberalzona de Alexandre de Moraes, tudo isso soa muito natural e democrático! Parece até que ele pegou de lá umas ideias marotas e está aplicando com sucesso no Bananil.
Alguns hão de conjecturar não ser possível que um ministro do STF seja detentor de tamanha ignorância, e que essa fala nível 5ª série só pode ser fruto de um cinismo olímpico. Pois eu não acho isso. Acreditem: a quantidade de pessoas incultas ocupando altas posições na máquina pública é algo imensurável. A depender do cargo, a exposição da ignorância se intensifica e tudo se torna ainda mais dramático. Como diria o mestre Olavo de Carvalho, negar a um incapaz certas posições de destaque é um ato de caridade.
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