Todo mundo já deve ter ouvido dizer que juiz não pode sair por aí comentando em público suas próprias decisões, certo? E é isso mesmo. A Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) proíbe que juízes manifestem opinião não só sobre os seus processos, mas sobre qualquer um que ainda esteja em andamento.
Como a lei não faz distinção entre os destinatários da norma, entende-se que vale para todo e qualquer julgador em atividade no país:
“Art. 36 da LOMAN - É vedado ao magistrado:
III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.”
É por isso que você não vê por aí juízes se explicando em público sobre suas decisões, mesmo que massacrados pela mídia. Às vezes a justificativa para um ato judicial está claríssima dentro do processo, mas para o público essa informação não está acessível. Nesse caso, o juiz simplesmente apanha calado da opinião pública, mas com a firme convicção de que fez o certo. Vi isso acontecer muitas vezes.
Lembro-me do caso da juíza de Santa Catarina, Joana Ribeiro Zimmer, que foi brutalmente assediada pela mídia (e pelos próprios pares da magistratura com atribuição correicional) quando do vazamento da audiência em que ela tentou convencer uma adolescente a não abortar. Ela teria mil coisas a dizer caso fosse entrevistada, mas ela tinha que suportar tudo calada – e foi o que ela fez.
Mas os pavões supremos não aceitam suportar críticas como os demais juízes fazem. Eles precisam ir às redes sociais explicar suas decisões, para tentarem ficar com a barra limpa perante a opinião pública. A regra da LOMAN existe, mas, cá pra nós, esses caras estão cagando pras leis há muito tempo.
Aí ontem, por dever de ofício, fui dar um passeio nas redes sociais do STF pra ver o que eles andavam bostejando. Pois é, meus amigos, meu trabalho exige estômago! Vira e mexe eu tenho que meter a mão nesses baldes de esterco pra extrair as análises que faço aqui pra vocês. Então fui lá olhar e me deparei com isso aqui:
Só pra deixar claro, todos os grifos em vermelho neste artigo foram feitos por mim, para destacar as palavras nas quais eu quero que vocês prestem atenção, ok? Dito isso, vamos lá: quer dizer que os blogueiros do STF estão tentando explicar nas redes sociais as cagadas que andam fazendo com as donas Jupiras da vida? “Entenda as condenações”... soa como “pelo amor de Deus, gostem da gente, a gente é legal”!
O modelo da publicação é estilo “carrossel”, daqueles que a gente vai arrastando para o lado, feito com algum aplicativo estilo Canva. É um formato muito utilizado pelos influencers de rede social, tal como alguns ministros. Achei adequado.
Continuei a minha incursão pelo infame post. No segundo carrossel, o Pravda judicial divulga:
“as denúncias (...) foram acompanhadas de provas, muitas delas produzidas pelos próprios autores dos atos de vandalismo”.
Aqui o serviço de propaganda quer lançar na mente do leitor que as denúncias têm, sim, fundamento, e estão provadas desde o início pelo próprio comportamento colaborativo dos presos!
No terceiro carrossel, o serviço de propaganda oficial usa a expressão de alto teor político “atos antidemocráticos” para designar a manifestação legítima do povo na Praça dos Três Poderes. Isso porque menciona “atos antidemocráticos que resultaram na invasão das sedes dos três Poderes”, o que significa dizer que eles estão fazendo um juízo de valor e dando ares criminais à manifestação política que aconteceu antes dos atos de vandalismo – esses sim, os únicos que deveriam ser objeto de consequências judiciais.
O quarto carrossel é o que, ao meu ver, apresenta a conduta mais grave do blog supremo. O post apresenta um julgamento antecipado dos presos com processo ainda em andamento. É isso mesmo que você leu. A galera já foi julgada antecipadamente, em bloco. Aqui, o blog fala dos processos que estão suspensos aguardando a proposta de acordo de não persecução penal pela PGR, para logo depois dizer que esses processos “envolvem pessoas que estavam acampadas em frente aos quarteis e incitaram a tentativa de golpe de Estado” (grifo nosso):
Eles não dizem que os presos “poderiam ter incitado”, ou “teriam incitado”, ou “supostamente incitaram”...eles AFIRMAM que incitaram. Portanto, aqui houve uma antecipação indevida de julgamento, com a condenação prévia publicizada pelo STF nas redes sociais! Não é comovente?
No quinto e sexto carrossel, o blog não só explica os argumentos da acusação (PGR), como os endossa. “Os argumentos trazidos pela PGR são confirmados pelas provas trazidas nos autos”. O STF está endossando, em público, via redes sociais, um dos polos do processo (acusação), em processos ainda pendentes de julgamento. Tudo está aí, às claras, para quem quiser ver.
O carrossel 7 tenta dar ares de legitimidade à denúncia da PGR, usando linguagem que tenta confundir o leitor com um truque muito vagabundo: em vez de dizer que a denúncia narra a conduta de cada preso (o que seria impossível fazer), eles dizem que a peça inicial narra de forma precisa o contexto em que a conduta de cada preso está inserida, ou seja, o contextão geral dos “atos antidemocráticos”! Com um joguinho malandro de palavras, eles tentam incutir na mente dos incautos a ideia de que a conduta de cada um foi individualizada, quando não foi. Mas eu saquei, hein, blogueiro... I got you!
O carrossel 8 narra normas simples de processo penal sobre a defesa dos réus, dando ares de respeitabilidade ao contraditório e à ampla defesa. O carrossel 9 fala sobre o posicionamento favorável dos ministros às provas da PGR: “para os ministros, entre as muitas provas apresentadas pela PGR, algumas são explícitas, já que (...)”, e começa toda a justificação do porquê das provas da PGR serem maravilhosas.
Não é lindo? Um tribunal se manifestando em redes sociais sobre processos em andamento, opinando pública e favoravelmente sobre as provas apresentadas pela acusação e julgando os acusados previamente! Alô, alô, OAB, tem alguém aí, ou só mesmo os advogados (abandonados por vocês) que estão no caso defendendo heroicamente os presos em um processo viciado desde a origem? Senado, na escuta?