A curiosa coincidência entre os aplausos a Moraes na Colmeia e as palmas para Stálin em 1938
Enquanto eu ouvia Rosa Weber narrando como Alexandre de Moraes teria sido aplaudidíssimo pelas presas políticas na Colmeia (ele é tão bichão que é admirado até por quem ele sacaneia!), eu só lembrava do episódio bizarro dos aplausos a Stálin na conferência do partido em 1938.
Pois é, meus amigos. Essas coisas já aconteceram antes, não é fantástico?
Pra gente que é velho de guerra nesses assuntos da comunada, nada é novidade. Tudo é apenas uma repetição de fatos históricos pitorescos. Quando a gente vê acontecer ao vivo, a gente só levanta o braço e grita “opa, saquei!”, tipo aquele meme do Leonardo de Caprio apontando pra televisão.
Durante a narrativa da repórter sobre o ocorrido, as pessoas no chat se esvaiam em gritinhos de horror (“que mentirosa essa Weber!”), enquanto eu tranquilamente continuava passando meu requeijão Philadelphia na torrada dormida, na certeza de que Rosa falava rigorosamente a verdade quanto à ocorrência dos aplausos.
Era óbvio que as presas realmente aplaudiram o imperador. Quanto a isso não pairava a menor dúvida.
Os aplausos são um dado objetivo, perceptível pelos sentidos da visão e/ou audição. Ou aconteceu, ou não aconteceu. Já a motivação para tais aplausos é que pode vir a ser objeto de altas elucubrações, como parece ter sido o caso da senhora Rosa. Ela deve mesmo ter conjecturado que era uma manifestação espontânea de carinho!
Talvez Rosa tenha pensado que tanto tempo no cárcere deva ter servido para que aquelas pobres diabas refletissem sobre seus atos indecentes...essas detentas agora amam o Gengis Khan bananeiro que lhes trancafiou por meses a fio!
Dona Weber não deve ter lido o clássico Arquipélago Gulag, de A. Soljenítsin. Caso contrário, jamais teria impressões tão dissociadas da realidade, porque se lembraria do excêntrico relato acerca dos aplausos a Stálin. A deficiência na formação literária do imaginário leva o indivíduo invariavelmente a conclusões estúpidas.
Os episódios envolvendo as babações de ovo a Stálin eram ao mesmo tempo tristes e hilários. No caso da lambeção de botas a Alexandre, foi apenas triste mesmo. Algumas presas foram entrevistadas pela Revista Oeste, e narraram como os aplausos se iniciaram a partir do medo.
Esse medo era gerado pelo cano das armas que tinham apontadas contra elas pelos agentes da Gestapo moderna – além do horror causado pela figura do algoz em pessoa, que teria levado algumas a urinar nas vestes. Diante da convocatória, quem se recusaria a aplaudir?
Em 1938, em uma convenção do Partido Comunista na região de Moscou, Stálin recebeu uma homenagem dos camaradas que desejavam bajulá-lo. Iniciou-se uma salva de palmas. Só que ninguém podia parar de aplaudir, sob pena de ser considerado pouco afeito ao líder (e, portanto, suspeito). Essa conduta seria digna de levar o aplaudidor desistente à prisão.
As palmas continuavam por cinco, dez minutos, e ninguém ousava parar. As palmas das mãos já ardiam, pessoas passavam mal, mas era muito imprudente ser o primeiro a capitular:
“Na pequena sala ressoam ‘tempestuosos aplausos que se transformam em ovação’.(...) Mas afinal começam a doer as mãos. Fatigam-se os braços levantados, já vão sufocando as pessoas idosas. (...) Entretanto, quem é o primeiro que se atreve a parar? (...) O diretor da fábrica local de papel, uma personalidade forte, independente, faz parte do Presidium e compreende toda a falsidade, todo o beco sem saída da situação, mas aplaude! – Decorre o nono minuto! O décimo! Ele olha aborrecido para o secretário do partido da zona, mas este não se atreve a parar. É uma loucura! Uma loucura geral!”[i]
No caso, o diretor da fábrica foi o primeiro a parar de aplaudir no décimo-primeiro minuto. Foi preso na mesma noite. “Com facilidade, aplicam-lhe por outro motivo dez anos”.[ii]
Agora, fica a dúvida: teria Rosa apenas chegado a uma conclusão estúpida quanto à espontaneidade dos aplausos? Ou será que ela, assim como os camaradas de Stálin, também se sentiu coagida a participar da encenação?
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[i] Soljenítsin, Alexander. Arquipélago Gulag. Tradução de Francisco A. Ferreira. Círculo do Livro S.A.. São Paulo/SP, 1975, página 79.
[ii] Idem, página 79.